O Crime Do Padre Amaro
Após perder os pais, que serviram à marquesa de
Alegros, Amaro cai nas graças da mulher, que o toma como agregado, planejando
criá-lo para o sacerdócio. Isso acaba se efetivando, apesar da ausência de
vocação e de interesse do jovem, que, desde cedo, possuía uma índole
libidinosa. Triste e resignado, Amaro se ordena padre, sempre tentando conter
os fortes impulsos sexuais que sente.
Embora temesse a Deus e fosse devoto, odeia a vida eclesiástica que lhe fora
imposta. Depois de exercer seu ofício em uma província interiorana, consegue,
por influência da condessa de Ribamar – filha de sua protetora, a marquesa –,
mudar-se para Leiria.
Nesse ponto, Eça descreve como os interesses do clero estão atrelados aos
interesses políticos. É o marido da condessa quem intervém junto a um ministro
para solicitar ao bispo a transferência de Amaro, apesar de sua pouca idade,
para a sede do bispado.
Em Leiria, o jovem padre aceita a sugestão do cônego Dias para morar em um
quarto alugado na casa da senhora Joaneira – com quem Dias mantinha um caso –,
auxiliando, em troca, nas despesas da casa. O quarto de Amaro fica exatamente
embaixo do de Amélia, filha da dona da casa. Já no primeiro contato, Amaro e
Amélia sentem forte atração mútua, que se desenvolve aos poucos e provoca o
desinteresse da moça por João Eduardo, de quem era noiva.
O fato que desencadeia a ofensiva de Amaro sobre Amélia é algo que o jovem
padre presencia: certo dia, ao chegar à residência da senhora Joaneira,
encontra-a na cama com o cônego Dias. A partir daí, apesar de ter mudado de
casa, Amaro vai perdendo os escrúpulos e se deixa levar pela atração sexual,
seguindo o exemplo de seu antigo mestre.
O autor, além da crítica feroz que desfere contra o clero, toca também em outro
tabu da época: a sexualidade.
É comum que os escritores vinculados à corrente naturalista, como era Eça na
época em que escreveu esse romance, dêem ênfase ao erotismo que domina os
personagens. Isso faz parte de sua caracterização, como apregoa o determinismo
de Taine, segundo o qual os seres humanos são submetidos ao condicionamento
pela herança, pelo meio social e pelo contexto histórico, que regem seu
comportamento. Isso significa que, embora os personagens tentem, num primeiro
momento, se prender a um padrão moral mediado pela consciência, acabam agindo
pelos impulsos naturais de sobrevivência da espécie, principalmente o desejo
sexual.
João Eduardo, enciumado, publica anonimamente no jornal local um artigo em que
denuncia a imoralidade de alguns padres de Leiria, especialmente de Amaro. Esse
fica indignado e passa a evitar Amélia — pensa até mesmo em abandonar o
sacerdócio. No entanto, os padres descobrem o autor do texto polêmico e levam
João Eduardo a deixar a cidade.
Comentário Crítico
O romance de Eça de Queirós,
escrito em 1875, é um velho conhecido dos vestibulandos. É também um belo
livro, que se posiciona contra o celibato imposto aos padres e expõe a paixão
que um jovem pároco sente por uma moça. Só que, no romance, uma das idéias mais
fortes está no prazer que o padre tem em dominar sua amada. Ele, que passou
toda sua vida baixando a cabeça e cumprindo ordens, pode controlar alguém pela
primeira vez. No filme, esse contexto desaparece completamente. Ademais, no
livro, a moça é corroída pela culpa, tem pesadelos, visões, imagina que arderá
no fogo do inferno. Na versão cinematográfica, ela é bem mais nova e sem a
menor consciência.